Nóca - A hostilizada holistizada

Nóca
Sempre quis conhecer a Capelinha da Nóca, que fica na estrada de terra que faz ligação entre o perímetro urbano da cidade de São Sebastião do Paraíso a alguns de seus bairros rurais.
Erguida em louvor a Isabella Alves da Silva, 3/3/1911 - 20/5/1933, a Capela lança uma bandeira sinalizadora sobre a história da 'meninoca' - razão do apelido - poderia ser apenas mais uma a compor o infindável rol das tragédias machistas fatais do interior do Brasil daqueles e destes tempos.
Por algum motivo inexplicável, no entanto, a jovem hostilizada viria ser holistizada e transformada em santa pelas populações de São Tomás de Aquino e São Sebastião do Paraíso.
Nóca foi uma menina comum, nascida em casa, com o auxílio de parteira, em uma propriedade rural do Bairro Fazendinha, pertencente ao município de Santa Rita, Minas Gerais.
Criada em família católica tradicional, por volta dos 17 anos de idade, conheceu um médico conquistador, que 'deflorou' a moça, arruinando sua dignidade, razão pela qual foi posta fora de casa por seu padrasto e irmãos.

Retrato de Nóca
Sozinha e desolada, ela morou em pensões na cidade de Paraíso, onde, inicialmente, foi sustentada pelo tal médico, mas em pouco tempo, vivenciou o destino comum de muitas jovens que sofreram sina semelhante, tornando-se, inexoravelmente, prostitutas.
Jovem, prendada e bonita, Noca acabou por encantar um negociante da cidade, um rapaz bem sucedido, que tinha cerca de 30 anos quando conhece a moça. Eles pareciam felizes nos passeios de carro que faziam praticamente todas as noites, mas as crises de ciúmes do novo companheiro a levaram a fugir e mudar de cidade.
Após muita insistência do apaixonado e saudoso amante, Nóca voltou da cidade de Barretos para São Sebastião do Paraíso viajando pela antiga linha de trem da cidade, encontrando-se com o namorado na antiga estação Mogiana. 
Aquele era o dia 20 de maio, do ano de 1933! Nóca tinha 22 anos de idade e naquela mesma noite saiu para mais um passeio de carro, onde provavelmente conversou com o companheiro sobre reatar sua relação e as crises de ciúme.
Não se sabe os reais motivos que levaram o homem ao assassinato, mas no local exato local onde hoje se encontra a Capelinha, a jovem levaria três tiros no peito tombaria sem vida na beira da estrada que atualmente é continuação da avenida Dr. Alfredo Campolongo e da acesso às comunidades ruais Espraiado, Buritis, Palmeiras, Volpe e Antinha e também às cidades de São Tomás de Aquino, Cássia e Capetinga.
O amante, autor dos disparos, foi condenado a 24 anos de prisão, absolvido sob alegação de seu advogado de "irregularidades processuais". "Quero ficar cego", ele dizia, quando perguntado se teria mesmo assassinado a moça. Ironia do destino, ou não, trinta e poucos anos mais tarde, o cidadão morreria praticamente sem visão.
O crime abalou a pacata cidade, chocando e dividindo a opinião pública. Uns diziam se tratar de uma fatalidade inerente à vida das prostitutas, outros, condenavam o assassino visto a fragilidade de sua vítima. 
Um jornalista da época chegou a batizar Nóca como a "Mártir do Campo" e tempos depois, um cidadão conhecido como Nenê Teófilo, passando por momento de extrema dificuldade, fez uma oração, pedindo pela intercessão da "injustiçada" Nóca e foi atendido. 
Em agradecimento, construiu a capelinha no local, a qual, desde então, vem atraindo pessoas que acendem velas e fazem suas preces no local.






Mais recentemente, no ano de 1993, ou seja, após exatos 60 anos da tragédia, um grupo de moradores de São Tomás de Aquino uniu-se a outro grupo católico de São Sebastião do Paraíso, resolvendo fazer uma caminhada de penitência pedindo chuva numa época de terrível estiagem na região. Na ocasião, cerca de 500 pessoas se reuniram e rezaram na Capelinha da Nóca.
Desde então, todos os anos, no dia 12 de outubro, caminheiros das duas cidades realizam esse mesmo ritual.

Fonte: Livreto "Noca, vítima de preconceitos ultrapassados", de Luis Ferreira.

Comentários

  1. Muito interessante! Sempre quis saber a história da Noca. Obrigada, Rafael!

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  2. Interessante! Não conhecia a história da Noca.

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  3. Muito bom, Rafael. Um jornalismo de caráter histórico pode colocá-lo ao lado do Historiador Dr. Luiz Ferreira. A cultura de nossa cidade muito ganharia com sua competência. Obrigado e vá em frente!!

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  4. Eu estive lá neste final de semana e fiquei muito emocionada ao rezar lá! Queria saber um pouco mais sobre a triste história de mais uma vítima de feminicídio... são tantas mulheres mortas todos os dias...😥🙏🏻

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