Trânsito psicopata




Interessante observar as pessoas com seus carros indo para qualquer parte da cidade – mesmo que seja na esquina - sentindo-se verdadeiros donos das ruas. Lá de dentro, onde o mundo é visto por trás de vidros, hermeticamente cerrados, com um som bacana e não raramente ao celular, não dá pra se ter a noção do que está acontecendo no mundo ao seu redor.
Estar no comando de um carro, sobretudo, um carro bonito e caro, deve transmitir ao piloto um tipo de sensação megalomaníaca. Talvez exista alguma substância tóxica (além do monóxido de carbono que polui o planeta em larga escala) que deixa o motorista prejudicado em seus raciocínios.
É comum ver motoristas perdendo o senso de segurança e dirigindo como se estivessem jogando videogame e tivessem à disposição outras vidas de reserva (suas e dos demais à sua volta). Se estiver chovendo, então, passam sobre poças, molhando e sujando pedestres atrapalhados com seus guarda-chuvas, carregando filhos no colo, sacolas... Não permitem transeuntes a pé passar nem mesmo pela faixa de segurança, pois não há o menor respeito ou consideração com esse tipo de situação e pessoa e sabe por quê?
Por causa da crise de educação que desemboca justamente nesse ponto nevrálgico da sociedade: a desconsideração com o alheio! Não pensam, não dizem, nem vão concordar com o que estou escrevendo, mas o fato é que os motoristas estão dirigindo como se as pessoas ao seu redor não importassem, porque não conseguem percebê-las. Dentro de seus carros, com o ar condicionado ligado e com os pensamentos voltados para qualquer coisa – menos o ambiento que lhe cerca – estão num universo paralelo mergulhados no mais puro egoísmo.
Preste a atenção a você mesmo motorista, que às vezes xinga as pessoas ao seu redor, (mesmo que entre os dentes) quando atrapalham o desenvolvimento de sua aceleração, obrigando-o a pisar no freio e, fazendo-o perder aquele embalo que lhe custará, no final da jornada uns trinta segundos. Você não consegue parar na faixa de pedestres porque precisa aproveitar aquele mesmo embalo e, até que freie, coloque o ponto morto e então recoloque o automóvel em movimento, isso poderá lhe custar outros vinte segundos.
Enfim, o carro se tornou um instrumento de revelação das doenças sociais da indiferença e da discriminação.
Quem tem o carro sente-se maior, melhor, imagina que ganha mais e que está alçado sobre um patamar elevado no quadro social das ruas; quem anda a pé é menor, mais pobre e não tem emoção nenhuma ao trafegar as ruas, pois não tem o videogame com direção e pedais em suas mãos.
No entanto, o que não se sabe ainda por aqui é que esse negócio de andar de carro, embora pareça muito bonito é uma grande porcaria para a saúde dos motoristas e do próprio planeta. Se você deixa de ir de carro a qualquer lugar que seja, mas vai de bicicleta ou a pé, está se exercitando, melhorando seu condicionamento físico. Além disso, pode colocar uma música em seu mp3 player e adentrar a universos paralelos também, só que em comunhão maior com o meio ambiente. Pisando no chão, apreciando o mundo ao seu redor, cumprimentando as pessoas pelo caminho, não poluindo o ar, enfim... só há benefícios!
O carro é uma ferramenta muito boa e nos possibilita grandes vantagens, no entanto, ele precisa ser colocado em seu devido lugar em nossas vidas. Não sendo imprescindível, deve ficar na garagem, como qualquer outro equipamento que se utiliza. Prefira andar, levar mais tempo (sempre que puder) para fazer as coisas e se a vida não lhe permitir isto, mude a vida, mude de bairro, de cidade, mude de emprego, seja dono de si próprio, não seja escravo das coisas, não seja cercado e seja livre das psicopatias deste mundo moderno. Liberte-se!

Rafael Cardoso

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