A crise tá batendo até na Dinamarca


Por Suzanne Daleydo,
"New York Times"

Começou como uma prova dos nove, para evidenciar que a pobreza e as dificuldades ainda existiam na Dinamarca.

Um deputado liberal desafiou um adversário político cético a visitar uma mãe solteira com dois filhos que vivia de benefícios sociais, para ver com seus próprios olhos como era penosa a vida dela.

Mas o que se constatou foi que viver de benefícios não é tão duro assim. A mãe solteira de 36 anos, tratada pela mídia pelo pseudônimo de Carina, tinha mais dinheiro para gastar que muitos que trabalham em tempo integral na Dinamarca. Ela recebia US$ 2.700 por mês e vivia de benefícios sociais desde os 16 anos.

A história de Carina acabou assinalando uma virada na discussão entre dinamarqueses sobre se seu Estado de bem-estar social, possivelmente o mais generoso da Europa, terá se tornado rico demais. Agora, a Dinamarca está revendo os benefícios sociais e procurando incentivar sua população a trabalhar mais, por mais tempo ou as duas coisas.

Dinamarques Robert Nielsen

Enquanto boa parte da Europa meridional vem sofrendo sob a austeridade econômica, a Dinamarca ainda goza da cobiçada classificação de crédito AAA. Mas suas perspectivas de longo prazo são preocupantes. A população está envelhecendo e, em muitas regiões do país, hoje há mais pessoas que não trabalham que pessoas empregadas.

Parte disso se deve à economia fragilizada. Mas especialistas enxergam algo mais fundamental: a parcela de cidadãos que simplesmente não participam da força de trabalho.

"Antes da crise, a impressão que se tinha é que sempre haveria mais e mais", explicou Bjarke Moller, editor-chefe de publicações do grupo de pesquisas Mandag Morgen. "Mas a situação mudou. Hoje há muitas pressões sobre nós. Para sobreviver, precisamos ser uma sociedade ágil."

O modelo dinamarquês de governo é quase uma religião aqui, tendo gerado uma população que se considera uma das mais felizes do mundo.

A Dinamarca possui uma das mais altas alíquotas de imposto de renda do mundo; a alíquota máxima, 56,5%, é aplicada às rendas anuais superiores a US$ 80 mil. Em troca, porém, sua população conta com uma rede de segurança que se estende do berço até o túmulo e inclui saúde gratuita, universidade gratuita e benefícios pagos até aos mais ricos dos cidadãos.

Os pais de todas as faixas de renda, por exemplo, recebem cheques trimestrais do governo para ajudar com os custos de creche ou berçário. Os idosos têm direito a serviço de empregada gratuito, mesmo os ricos.

Mas poucos especialistas creem que o país vá conseguir continuar a pagar por tudo isso por muito tempo. Por isso a Dinamarca está promovendo reformas, mudando as alíquotas de imposto sobre empresas, analisando novos investimentos no setor público e procurando "desmamar" mais pessoas da assistência governamental.

"No passado, as pessoas só pediam ajuda quando precisavam dela", comentou Karen Haekkerup, ministra de Questões Sociais e Integração.

"Mas hoje a mentalidade é outra. As pessoas enxergam os benefícios como direito delas. Agora precisamos voltar a pensar nos direitos e deveres."

Em 2012, pouco mais de 2,6 milhões de pessoas de 15 a 64 anos trabalhavam na Dinamarca -47% da população total e 73% das pessoas na faixa dos 15 aos 64 anos.

Mas muitos dinamarqueses trabalham poucas horas por dia, e todos desfrutam de benefícios como férias longas e licença-maternidade paga e prolongada.

Joachim B. Olsen, o político cético do partido Aliança Liberal que visitou Carina 16 meses atrás, está alarmado.

Ele diz que a Suécia, vista como país generoso, tem muito menos cidadãos vivendo de benefícios pagos pelo governo. Se a Dinamarca seguisse o exemplo da Suécia, ele afirmou, teria 250 mil pessoas a menos vivendo de benefícios.

"O Estado de bem-estar social saiu de controle aqui", opinou.

O governo já reduziu os planos de aposentadoria precoce. Antes os desempregados podiam receber auxílio-desemprego por até quatro anos. Agora, só podem receber por dois anos.

Também estão sendo propostos cortes dos benefícios pagos a pessoas de até 30 anos.

Carina não foi a única que vive de benefícios a fazer manchetes. Quando Robert Nielsen, 45, foi entrevistado na TV em setembro do ano passado, admitiu que vive praticamente apenas de benefícios desde 2001.

Apelidado pela mídia de Robert Preguiça, Nielsen disse que não tem nenhum problema de saúde mas que não pretende aceitar algum trabalho degradante, como trabalhar num restaurante de fast food. Falou que consegue se virar muito bem com os benefícios sociais e que é dono de seu próprio apartamento num conjunto habitacional.

"Nasci e vivo na Dinamarca, onde o governo se dispõe a financiar minha vida", comentou.

Colaborou Anna-Katarina Gravgaard


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