Legislação, internacionalização e o fracasso da Universidade Brasileira


Thomas Bustamante
Professor da Faculdade de Direito da UFMG

As maiores potências do mundo estão em crise e suas universidades estão perdendo cada vez mais cérebros. Na Europa e nos Estados Unidos, professores estão experimentando demissões, reduções de salários e cortes de financiamentos. Num contexto em que muitas universidades recorrem a empréstimos para fechar suas folhas de pagamento, jovens cientistas e pesquisadores têm cada vez menos oportunidades. 

No Brasil, por outro lado, nunca se investiu tanto na universidade e na ciência e tecnologia. A oferta de bolsas de estudo no exterior, inclusive para jovens nos primeiros períodos dos cursos de graduação, nunca foi tão generosa. Em valores nominais, a média dos salários pagos aos professores universitários na metade de suas carreiras (se forem doutores e em dedicação exclusiva) não está significantemente inferior aos pagos no Reino Unido e nos Países Baixos, por exemplo. 

Era de se esperar, com isso, um elevado grau de internacionalização da universidade brasileira, até mesmo porque esse é um dos principais desígnios da política que o governo federal tem buscado implementar no setor. Mas estamos muito longe disso, e possivelmente nos afastando cada vez mais desse ideal. Por que? 

A reposta é óbvia. Está no atraso e na burocracia. Em todos os países que alcançaram um nível razoável de excelência, as universidades não conhecem fronteiras. Lançam-se numa concorrência saudável e na busca pela excelência e pelos melhores talentos. Competem com todas as suas forças pelos cérebros mais valiosos, exigem de seus docentes qualidade no ensino e na pesquisa, premiando-os com promoções por mérito e oferecendo vantagens para atrair profissionais dos cantos mais distantes do mundo. Se um indivíduo alcança um nível de excelência que o distingue de seus pares, ou é imediatamente promovido em sua universidade ou será admitido em um nível mais avançado da carreira pelas universidades concorrentes.

Basta um acesso no Google para se ler, por exemplo, centenas de anúncios em todas as áreas nas mais prestigiosas universidades do mundo, onde os candidatos podem ingressar na universidade em um estágio da carreira que seja compatível com o seu currículo. No site "job.ac.uk", por exemplo, são anunciadas todas as vagas existentes no Reino Unido e várias vagas para estrangeiros em países tão diversos como Coréia do Sul, China, Países Baixos, Dinamarca, Emirados Árabes Unidos, Luxemburgo, Irlanda, Noruega, Suécia, Austrália e Nova Zelândia. As universidades, quase sempre, pagam não apenas as despesas de mudança intercontinental para os candidatos aprovados, mas também as despesas de viagem para os candidatos preselecionados se submeterem ao processo seletivo. Muitas não exigem nem mesmo que os candidatos falem a língua nativa para empregá-los, já que isso eles podem aprender com o tempo e o inglês, que é a língua da ciência, muitas vezes parece suficiente. Para as grandes universidades, não há fronteiras.

E no Brasil? Há meia dúzia de estrangeiros que, depois de passar por um processo demorado de revalidação de seus títulos de doutorado, conseguem entrar na universidade brasileira por concurso público. Os concursos, por aqui, são pessimamente divulgados. Não há sequer um portal do Ministério da Educação onde todas as vagas, em todas as universidades, estejam acessíveis. Não há anúncios em inglês e para se inscrever nos concursos públicos muitas universidades exigem que o candidato compareça pessoalmente na secretaria com cópias autenticadas de todos os seus documentos. Não pode mandá-los pela Internet ou preencher um formulário eletrônico. 

No meu departamento, na Universidade Federal de Minas Gerais, quando debatíamos sobre uma vaga que será posta em concurso público, aprovamos ontem em reunião que o único requisito deveria ser o título de Doutor na área de conhecimento respectiva. Isso porque não é tão difícil e demorado reconhecer um título de doutor aqui no Brasil. Temos professores estrangeiros na universidade federal que foram admitidos em concursos desta natureza. Nossa pretensão de facilitar a internacionalização esbarrou, porém, na burocracia e na estupidez da legislação. A nova lei que regulamenta a carreira de docente não exige título de doutorado para ser professor das universidades federais, mas estabelece que no concurso público "será exigido diploma de curso superior em nível de graduação" (lei 12.772/2012, art. 8, § 1o), e a administração pública federal não admite a interpretação de que o título de doutor possa substituir essa exigência. Só que essa exigência, na prática, impede qualquer estrangeiro de participar de um concurso público no Brasil. Para se ter uma ideia, para se reconhecer um diploma de graduação em Direito na UFMG o candidato estrangeiro deve realizar uma bateria de provas com conteúdos de todas as disciplinas do curso de Bacharelado da instituição. Eu duvido que haja um único professor da instituição, ou de qualquer outra universidade federal, que seria capaz de passar numa prova dessas. E o pior de tudo é que mesmo se encontrarmos alguém, com memória fotográfica, que tiver todos esses conhecimentos, não há qualquer garantia de que esteja qualificado para atuar como professor, pois esses conhecimentos serão absolutamente inúteis para desempenhar essa tarefa. 

Em suma, ao mesmo tempo em que se dispensa o requisito de doutor, exige-se o reconhecimento extremamente burocrático de um título de graduação para que algum estrangeiro se submeta a um concurso público no Brasil. Fechamos as nossas fronteiras para o mundo.

Pior ainda, criamos um mecanismo de promoções por tempo que torna absolutamente irrelevante o mérito acadêmico. A universidade não tem autonomia administrativa para contratar professores que estejam no meio de suas carreiras. Qualquer um que ingressar na carreira entra como Professor Auxiliar, recebendo o mesmo salário, e só poderá progredir na carreira depois de cumprir um interstício de tempo. Um Professor Adjunto só pode pedir promoção para Associado depois de 8 anos, pouco importando a sua produtividade. Por outro lado, por mais medíocre que ele seja, será automaticamente promovido no atual sistema. Não há exigências de produtividade para promoção, ainda que em teoria a lei fale em promoção por mérito. Não conheço um só caso de professor que, após cumprir o interstício de tempo, não tenha sido promovido na universidade pública.

A razão de se adotar essa normativa reside em um premissa que está sempre presente nas mesas de negociação entre o governo e os sindicatos: a premissa de que todos os docentes são iguais, são servidores públicos que devem ser igualmente remunerados e não podem competir entre si. Num ambiente como o da universidade, competitivo por natureza, isso é uma falácia. Todos devem ser avaliados, criticados, cobrados e, acima de tudo, recompensados, e o sistema atual não permite isso. E cada vez mais reproduzimos esse modelo, não apenas nas promoções dos docentes. Recentemente, acabaram com as notas na maioria dos programas de pós-graduação em direito. Em uma tese de doutorado, por exemplo, só há duas alternativas: "aprovado" e "reprovado". Nunca ninguém mais será aprovado com "7" e nem com "10 com louvor". Todas as teses são iguais: têm o mesmo valor.

O diagnóstico é cruel. Estamos atrasados, presos a uma estrutura burocrática que impossibilita a internacionalização e a uma legislação que retrocedeu em relação à pequena internacionalização que já existiu. Temos uma legislação que não permite que se premie o mérito ou desincentive a inércia e a desídia. Estamos de mãos atadas, como se tivéssemos diante de nós um céu de brigadeiro e um avião supersônico, mas faltasse lubrificante e combustível para que pudéssemos voar.

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