A Arte censurada


No mês em que se comemoram os 25 anos do fim da Censura no Brasil, relembre dez músicas de protesto à Ditadura Militar.

Baseado no Livro “Cale-se – A MPB e a Ditadura Militar”, de Manu Pinheiro, a obra analisa a produção cultural num dos períodos mais marcantes da História do Brasil. Apontando as letras de canções compostas nos anos da ditadura (entre 1964 a 1974), o Livro reforça a ideia de que a música serviu como uma importante ferramenta de comunicação, carregando mensagens com as palavras e frases que formam suas letras. Em uma época em que a censura restringia o acesso da população brasileira à informação, a música (aqui representada pelo segmento MPB) tornou-se um porta-voz para o povo.

1- Alegria, alegria

Lançada em 1967, por Caetano Veloso, ironia, rebeldia e anarquismo a partir de fragmentos do dia-a-dia. Em cada verso, revelações da opressão ao cidadão em todas as esferas sociais e a crítica ao abuso do poder e da violência.

Trecho: O sol se reparte em crimes/Espaçonaves, guerrilhas/Em cardinales bonitas/Eu vou…

2- Caminhando

‘Pra não dizer que falei das flores’, de Geraldo Vandré, é de 1968. O compositor foi um dos primeiros artistas a ser perseguido e censurado pelo governo militar. A música foi a sensação do Festival de Música Brasileira da TV Record e se transformou num hino para os cidadãos que lutavam pela abertura política.

Trecho: Há soldados armados / Amados ou não / Quase todos perdidos / De armas na mão / Nos quartéis lhes ensinam / Uma antiga lição: De morrer pela pátria / E viver sem razão

3- Cálice

De Chico Buarque, 1973, faz alusão a oração de Jesus Cristo dirigida a Deus no Jardim do Getsêmane: “Pai, afasta de mim este cálice”. Para quem lutava pela democracia, o silêncio também era uma forma de morte. A letra é um trocadilho ao silêncio imposto pela censura, explorando o duplo sentido das palavras “cálice” e “cale-se”, criticando o regime.

Trecho: De muito gorda a porca já não anda (Cálice!) / De muito usada a faca já não corta / Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!) / Essa palavra presa na garganta

4- O bêbado e o equilibrista

De Aldir Blanc e João Bosco foi gravada por Elis Regina, em 1979. Representava o pedido da população pela anistia ampla, geral e irrestrita, um movimento consolidado no final da década de 70. O choro de Marias e Clarisses, tratado na letra, faz alusão às esposas do operário Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog, assassinados sob tortura pelo exército.

Trecho: Que sonha com a volta / Do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo de foguete / Chora! A nossa Pátria Mãe gentil / Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil…

5- Mosca na sopa

De Raul Seixas, em 1973. Apesar das controvérsias acerca do sentido da música, a letra faz uma referência clara à ditadura militar. Através de uma metáfora, o povo é a “mosca” e, a ditadura militar, “a sopa”. Desta forma, o povo é apresentado como aquele que incomoda, que não pode ser eliminado, pois sempre vão existir aqueles que se levantam contra regimes opressores.

Trecho: E não adianta / Vir me detetizar / Pois nem o DDT / Pode assim me exterminar / Porque você mata uma / E vem outra em meu lugar…

6-É proibido proibir

Caetano Veloso, lançada em 1968. Uma manifestação das grandes mudanças culturais que estavam ocorrendo no mundo na década de 1960

Trecho: Me dê um beijo meu amor / Eles estão nos esperando / Os automóveis ardem em chamas / Derrubar as prateleiras / As estantes, as estátuas / As vidraças, louças / Livros, sim…

7-Apesar de você

Chico Buarque se tornou um artista muito odiado pelo governo militar, tendo dezenas de músicas censuradas. Apesar de você foi lançada em 1970, durante o governo do general Médici e sua letra faz clara referência ao ditador. Para driblar a censura, Chico afirmou que a música contava a história de uma briga de casal, cuja esposa era muito autoritária. A desculpa funcionou e o disco foi gravado, mas os oficiais do exército logo perceberam a real intenção e a canção foi proibida de tocar nas rádios.

Trecho: Quando chegar o momento / Esse meu sofrimento / Vou cobrar com juros. Juro! / Todo esse amor reprimido / Esse grito contido / Esse samba no escuro

8- Acender as velas

De 1965, é considerada uma das maiores composições do sambista Zé Keti. A letra do samba possui um impacto forte, criado pelo relato dramático do dia-a-dia da favela. Faz uma crítica social as péssimas condições de vida nos morros do Rio de Janeiro, na década de 1960.

Trecho: Acender as velas / Já é profissão / Quando não tem samba / Tem desilusão / É mais um coração / Que deixa de bater / Um anjo vai pro céu

9- Que as crianças cantem livres

Composição de Taiguara, lançada em 1973. No mesmo ano, o cantor se exilou em Londres, tendo sido um dos artistas mais perseguidos durante a ditadura militar. Teve 68 canções censuradas, durante o período de maior endurecimento do regime, no fim da década de 1960 até meados da década de 1970.

Trecho: E que as crianças cantem livres sobre os muros / E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor / E que o passado abra os presentes pro futuro / Que não dormiu e preparou o amanhecer…

10- Jorge Maravilha

1974, canção de Chico Buarque, lançada sob o pseudônimo de Julinho de Adelaide, para driblar a censura. Os versos “você não gosta de mim, mas sua filha gosta” parecia uma relação conflituosa entre sogro, genro e filha. Mas, na verdade, fazia alusão à família do general Geisel. Geisel odiava Chico Buarque. No entanto, a filha do militar manifestava interesse pelo trabalho do compositor.

Trecho: E como já dizia Jorge Maravilha / Prenhe de razão / Mais vale uma filha na mão / Do que dois pais voando / Você não gosta de mim, mas sua filha gosta

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