A origem, particularidades e emblemas que fazem deste o maior espetáculo cultural de Paraíso
As cores vivas e berrantes da indumentária, o passo cadenciado quase marcial, a batida dos tambores que, para alguns, emulam os sons do coração, as divisões das vozes e o cantar clamoroso - quase lamento – evocam a religião e o amor pelo folclore presente na história da vida de gente humilde e de raiz escrava, contagiando toda a cidade com sua beleza, simbolismo e popularidade.
É tempo de Congada e é assim todos os anos, entre os dias 26 e 30 de dezembro, quando ocorrem em São Sebastião do Paraíso suas festividades.
Símbolo maior do folclore de nossa cidade, muito já foi dito e escrito sobre o assunto, mas ainda assim, quando chega o fim do ano, um dos festejos mais peculiares da história do Brasil, submerge do meio do povo e toma seu lugar entre as comemorações do Natal e do Ano Novo na vida do Paraisense.
Reunindo aspectos profundos da miscigenação cultural e do sincretismo religioso, Congadas e Moçambiques têm sua história profundamente misturada com a própria história da cidade e sobre sua origem e importância na vida do paraisense obtivemos informações e depoimentos de participantes, historiadores e organizadores.
O que é?
A Congada é uma espécie de teatro de rua, onde os participantes, os “congadeiros” marchando, vão cantando, batendo espadas, dançando e "tramando” seu cortejo pelas ruas da cidade.
Seus grupos, os “ternos”, são espécies de batalhões dançantes, formados a\ partir de núcleos familiares que compartilham sua identidade e “memória coletiva” de forma intuitiva e espontânea.
Os ternos, em sua maioria, são estruturas organizadas, possuindo presidente e sede e suas apresentações ocorrem lideradas por um capitão, a voz ativa do grupo, a quem cumpre proferir os cantos, conduzindo a evolução dos cortejos.
O Congo e o Moçambique possuem uma raiz histórica e tradicional idêntica e, segundo consta no livro “Congada: Ritmos, cores e sons”, de Pedro Delfante “os moçambiques representam os anjos que ‘abrem caminho’ para o séquito do Rei e da Rainha Conga, enquanto os congos representam o próprio santo homenageado”.
Sua origem
Segundo conta a história, o imperador do Congo foi vendido como escravo para o Brasil e veio a Minas Gerais junto com outros mais de 400 negros. Na viagem, o escravo que fora batizado com o nome católico Francisco, perdera sua mulher e seus filhos, dentre os quais apenas um sobreviveu.
Instalado em Vila-Rica, trabalhou nas minas de ouro e, somando o trabalho de domingos e dias santos, escondia pó do metal precioso entre os cabelos, conseguindo realizar a economia necessária para comprar a sua libertação e a de seu filho. Em comemoração, Chico Rei, como ficaria conhecido, celebrou sua libertação dançando na igreja, marcando o início de uma tradição que une temáticas religiosas compostas por ritos africanos e católicos, unidos ao ideal universal da liberdade.
Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro, define que a dança lembra a coroação do Rei do Congo e da Rainha Ginga de Angola, com a presença da corte e de seus vassalos.
Sua difusão vem do século XVII e a Festa é também conhecida pelos nomes de Congadas, Congada, Congado ou Congo. Suas riquezas folclóricas e históricas estão em sua formação originada em três culturas diferentes: África, Brasil e Portugal, miscigenando tradições históricas, usos e costumes africanos e influências ibéricas em relação à religiosidade.
Congadas Paraisenses
Em São Sebastião do Paraíso, a Congada é, de longe, a mais importante festa popular. A acentuada conotação religiosa, o respeito ao folclore e ao regate da tradição contagiam por sua alegria e popularidade. Presente na vida do município desde sua fundação, a tradição vem sendo trazida por famílias de congadeiros, geração após geração.
Por aqui, existem nove ternos de Congo: Xambá, União, Bela Vista, Ipiranga, Sabiá, Canários Paraisenses, Anjos de São Benedito, Veteranos e Irmandade do Rosário; e cinco de Moçambique: Diamante, Santos Dumont, Nossa Senhora do Rosário, Zambiê de Angola e Filhos de São Benedito.
Ao todo, duas mil pessoas participam diretamente. A massa que compõe e sustenta a tradição é formada pela população mais humilde, no entanto, ano a ano, a Festa vem contando com a adesão cada vez maior de profissionais liberais, médicos, promotores de justiça, advogados, dentistas etc.
“Paraíso é a Capital Nacional da Congada, constituindo-se no maior centro de congadeiros do Brasil”. Quem afirma isto é Pedro Delfante, Presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de São Sebastião do Paraíso. Segundo ele “diferente de outros festivais folclóricos de Minas e do Brasil, a Congada Paraisense é totalmente elaborada por pessoas da cidade, as quais, na época das festividades ganham status de artistas e vão às ruas cultivar suas tradições”. Empresário em São Sebastião do Paraíso, Delfante, que também escreveu e publicou livro sobre o Festejo, diz que a partir de 2010 Congadas e Moçambiques tiveram seu status de “patrimônio histórico imaterial de Paraíso” reconhecido pelo Município o que, segundo ele, “poderá garantir maiores recursos para sua realização”.
Para o senhor Lázaro Manoel Gasparino, congadeiro dos mais antigos na cidade, muito do que se vê hoje nas festividades não está em plena conexão com as tradições originais do Festejo. “As roupas dos primeiros congadeiros eram feitas de canas e na cabeça usavam um pano enfeitado com a flor da cana”, ele relembra. Nascido na Comunidade Rural da Fazenda Diamantina, “Seu Lazinho”, como é conhecido por grande parte da população de Paraíso, tem 64 anos e faz parte do Terno Sabiá, o qual, segundo ele, está na ativa há cerca de 110 anos, sendo o mais antigo da cidade. Faz pouco menos da metade desse tempo que ele próprio vem cultivando essa tradição e sua ligação com a Congada está muito mais enraizada nos aspectos religiosos que o folclore carrega. Segundo disse em entrevista “o Congado é tudo em sua vida”, não sem antes afirmar que Deus está em primeiro lugar, mas que logo abaixo, vem o Congo. Com fala mansa e pausada, Seu Lazinho recorda que seu pai era mais afeiçoado às Companhias de Reis, bem como a maior parte de sua família, mas ele próprio decidiu seguir as tradições do Congado.
Citando os colegas congadeiros Vicente Irmão e Heraldo, os quais, assim como ele, são entusiastas dos aspectos religiosos da festa, Seu Lazinho diz que gostaria de ver mais pessoas buscando o resgate da espiritualidade contida na essência da Congada. Ainda assim, a sabedoria do velho Congadeiro o faz compreender que nos dias atuais não é mais possível que as tradições sejam seguidas à risca como no passado.
Devoto de Nossa Senhora e benzedor concorrido em São Sebastião do Paraíso, ele diz estar inserido nas Festividades à sua maneira, respeitando e convivendo bem com todos seus colegas participantes, mesmo interpretando o Congo como uma tradição mais religiosa que artística.
Conclusão
Sem uma explicação melhor e mais aprofundada do significado de tudo que se refere aos ritos africanos e ibéricos adaptados ao Brasil, dificilmente se poderá compreender ou gostar da Congada. Cada figurante, cada veste, cada cor, cada bandeira, tudo representa e simboliza algo, um sentido.
Mestres na arte do improviso, em rimas, canções e louvações, Congadeiros celebram a divindade pelas dádivas que receberam, sobretudo sua liberdade de expressão e o reconhecimento popular de seu folclore.
A beleza dos cantos com complexas divisões de vozes, a percussão em caixas-de-congo (tambores), as alegorias e fitas em belíssimos chapéus, as roupas bem coloridas, suas bandeiras santas, pandeiros, sanfonas, mastros, rei e rainha conga. Tudo isso aliado ao grande número de participantes é algo de grande valor cultural em nossa cidade e representa muito para o Brasil.
A Congada é um folclore com sólida tradição em nossa cidade, o que demonstra a tenacidade de um povo que passou por provas duríssimas séculos atrás em terras brasileiras. Cabe às novas gerações buscar a compreensão de tudo aquilo que constitui essas práticas tradicionais que são bases da formação cultural brasileira.
Para isto é fundamental que consigam discernir tudo aquilo que há de velado e revelado em suas entrelinhas, desde a expressão alegre, traduzida em danças e canções diante do ideal da liberdade, até a devoção religiosa e o pagamento das promessas, que demonstram a miscigenação racial, cultural e religiosa que constituem o que chamamos de Brasil.
Créditos: Dicionário do Folclore Brasileiro - Câmara Cascudo; Jangada Brasil; Congada: Ritmos, cores e sons, de Pedro Delfante; Instituto ABC.
Rafael Cardoso
Ótimo texto,me fez entender muitas coisas da congada paraisense.
ResponderExcluirAh pensei que falava o significado do "terno " no folclore
ResponderExcluirKsksks😊