Um médico de pijama


Vanderlei de Lima, médico, nascido em São Paulo em 1960, chegou a Paraíso com sua família ainda bem novo, no ano de 1969. Em casa, ele foi o primeiro a enveredar pelos caminhos da medicina. Sobre a escolha, ele relata que se recorda das conversas que tinha com a avó, ainda aos 7 anos, quando falava dessa aptidão. “Acho que nasci médico”, ele declara!

A esposa, Andrea, companheira desde o ultimo ano de faculdade, esteve ao seu lado em toda sua trajetória, vivenciando muitas alegrias e enfrentando momentos difíceis. Juntos, eles viajaram e conheceram várias partes do mundo, mas hoje ela cuida de Vanderlei como uma enfermeira carinhosa e dedicada. 

Portador de ELA - Esclerose lateral amiotrófica, o médico está com sua mobilidade totalmente comprometida, alimenta-se por sonda, respira por aparelho e por isso tem grande dificuldade na comunicação. Vanderlei não consegue falar e a única forma de me expressar é pelo olhar, pelo computador e através das redes sociais, onde tem deixado sua marca delicada e ao mesmo tempos profunda, em crônicas de grande valor para a fé e a esperança de todos os que têm a oportunidade de lê-las.

Vanderlei revela que suas crônicas, nas quais, tem realizado espécies de auto-análises, foram a forma que encontrou de se sentir vivo para a sociedade, que é, aliás, uma das funções do médico. “Escrever textos com assuntos relevantes e postá-los na rede me aproximaria das pessoas”, ele diz e “em algum lugar eles vão parar e transformar”, completa.

Perguntado sobre a profissão, ele entende que, no fundo, o médico é uma vítima da própria sociedade que o julga um “quase Deus”, não permitindo erros, exigindo uma postura social impecável. De fato, o ‘doutor’ é aquele que tem em suas mãos a vida e a morte e toda essa pressão acaba induzindo a pessoa-médico a admitir e abraçar essa condição holística, que é a de um ‘semideus. “Isto gera arrogância”, ela conta. “A doença, essa traz consigo a humildade, fazendo o médico sentir-se um simples mortal”, conclui.

Em seu caso específico, Vanderlei só teve participação direta no diagnostico, pois precisava saber a quem procurar, pois sabia que a doença era grave e rara. “Depois disso, tirei a roupa branca e vesti o pijama”, ele conta.

Sua doença veio reafirmar a importância de aspectos fundamentais que só os olhos são capazes de mostrar. “Quando se olha uma pessoa profundamente, você consegue três coisas: dar atenção, carinho e observar reações”, ele revela, dizendo também que nos últimos anos já vinha adotando essa prática junto a seus pacientes.

Por tratar-se de uma ciência, a formação de um médico é alicerçada com os ensinamentos da ciência, tais como levantamentos estatísticos, comparação de resultados com outros centros, fazer auto critica, pesquisar atualizações etc. Mas ao lidar com o sofrimento humano, seja físico ou psíquico, a ciência dá lugar à solidariedade, à compaixão e à filantropia. “O equilíbrio dessas duas vertentes faz surgir o bom médico”, explica.

Questionado sobre sua espiritualidade, o doutor diz que o homem, em sua história, sempre buscou ter uma relação com a vida pós-morte. “Note as pirâmides dos Maias, do Egito e outras manifestações pelo mundo afora”, diz e logo após confessa: “Eu não sou diferente! Acredito na energia que ‘toca’ a matéria, a qual, segundo lei da física ‘não se perde, se transforma’”.

Para ele, “Deus é um ser supremo, criador e manutentor dessa energia e o homem sempre necessitou completar sua existência com a presença de um deus, seja o sol, as estrelas, um carneiro de ouro”. Ele finaliza, dizendo que “foi aí que veio Jesus Cristo, o qual com suas ações e palavras deixou claro a presença de Deus”.

Nessa questão de espiritualidade, Vanderlei acredita que a doença lhe trouxe o tempo e as condições necessárias para que pudesse fazer uma boa reflexão, contudo, ele crê que “as sementes” já estavam dentro dele.

“Fé significa acreditar e eu acredito”, decreta!

Fazendo uso perfeito de sua pena de habilidoso escritor e provido de rara sensibilidade, o médico Vanderlei Lima deixa seu recado: “A vida é um dom divino e só tem sentido se for vivida plenamente. Aprendi que viver em sua plenitude é superar seus limites. Não importa se estou em cima de uma cama e sem poder falar, o que traz sentido à minha vida é a capacidade de ser útil. Optei por escrever crônicas onde posso seguir minha carreira de médico, profissão que tanto amo, e continuar transformando o individuo e a sociedade. 

Em relação ao mundo, estamos convivendo com novas e velhas situações. A evolução tecnológica trouxe uma relação impessoal entre os seres humanos. Falta o olhar, o abraço, enfim as coisas da pele. Por outro lado, convivemos com a mesquinharia e a ganância do poder. É o que vemos nas guerras! É da própria natureza humana. Olhe para a Historia, sempre tivemos ditadores, povo oprimido e gente se matando em nome de Deus. Que cada um faça o seu melhor não se importando se for apenas uma voz perdida na imensidão”.

Vanderlei Lima, médico!
Adaptação de Rafael Cardoso

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