A trilha sonora do país não pode continuar sendo o lixo que atinge o cérebro, polui o coração e atrai as moscas varejeiras lambedoras de jabá. |
Já não temos mais o direito de errar. Basta de mediocridade musical (MM). A trilha sonora do país não pode continuar sendo o lixo que atinge o cérebro, polui o coração e atrai as moscas varejeiras lambedoras de jabá. Convoco os colegas jornalistas para que ergam a cabeça e caiam na dança do Zarastustra nietzschiano não se deixando abater pela MM que assola o Brasil.
Invoco o espírito dos deuses ateus e a energia dos poetas deste país e do mundo. Invoco a deusa música, ateia e anarquista por natureza, razão e metafísica, para desfazer as trevas que se abatem sobre o país. Precisamos cravar uma estaca no coração dos vampiros que sugam a arte e a criatividade musical.
Música ruim sempre existiu, mas há pelo menos 30 anos que a música de má qualidade tomou posse das rádios, TVs, jornais e revistas, sites, “faces”, blogs. Agora é nossa obrigação enquanto jornalistas usar o cérebro e dizer a verdade. Por uma questão de estética e também de ética. Não se pode ficar calado enquanto o povo é enganado, levado a consumir o lixo, levar para casa e armazenar na alma esta coisa ruim que eles chamam de música.
Um país que tem Elomar e Caetano, Gil e Chico César, Lenine e Beto Brito, um Brasil que já deu Luiz Gonzaga e Caymmi, João Gilberto, Tom Jobim e Jackson do Pandeiro, não pode cair tanto. É preciso vergonha na cara e alegria da alma para dizer em alto e bom som estéreo: longe mim a MM!
Buraco musical
Vamos pulverizar o sofisma mofado do mercado: “gosto não se discute”. Discute-se sim. Principalmente quando ele não é uma escolha, mas uma imposição do mercado, produto da censura e do jabá. Como acreditar que se trata de gosto popular se ao ouvinte lhe foi imposto esta música ruim? Ludibriado pelo jabá, ele acredita que escolhe. E não é isso. A bem da verdade o “povo” tem gostado do que lhe determinam gostar. Para perceber isso não é preciso que um médium invoque os rapazes da Escola de Frankfurt. Hoje, ouvir música boa é coisa de elite. Elite hoje é Luiz Gonzaga, Chico Science, Orquestra Contemporânea de Olinda, Papete, Siba, Fagner, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Ivanildo Vilanova, Oliveira de Panelas, Eddie, Otto, Chico Science, Zeca Baleiro e tantos outros cantores e cantoras segregados pelo jabá porque não fazem ou cantam música medíocre. Só uns poucos ouvintes podem mudar de estação. Porque rádio ou TV comercial que não seja só jabá não há em todo canto. Restam as emissoras livres para escolher o que tocar: são as educativas, públicas/estatais, comunitárias. Todavia, deve ser feita a exceção as muitas rádios que se apresentam como comunitárias (e têm até a “autorização” do Estado) mas pertencem a padre, pastor, empresário ou político.
Este manifesto é contra o fascismo do jabá porque ele segrega, discrimina, censura a nossa arte e o povo brasileiro.
Este manifesto não defende o sertanejo de raiz, a música de raiz, o regional, ou coisas do gênero, como se neles estivesse a nossa salvação. Porque isso é bom, mas não é o bastante. O que se defende aqui é a música enquanto arte – o que ela traz de novidade, originalidade, criatividade. Quando dez ou vinte bandas tocam do mesmo jeito com a mesma letra e a mesma melodia, chamar isso de música é uma agressão à cultura e à inteligência humana. No limite é uma arte menor, pobre. O que você diria de um pintor que pinta o mesmo quadro e faz uma exposição com 20 pinturas iguais? Chamaria de artista? E se vinte pintores pintassem a mesma coisa, gerando 400 quadros iguais? Poderiam ser chamados de artistas? Mas é assim que a MM se propaga, seu espírito de PVC sobrevive se copiando, repetindo-se, clonando-se. São vampiros de plástico que, como tal, produzem gases de efeitos estufa sobre a alma brasileira.
Gospel
Este manifesto é contra a música gospel entrando pelos sete buracos da minha cabeça e destruindo meus neurônios. Ninguém suporta mais essa praga que tomou o dial de tudo que é rádio do Brasil. Pelo amor de Deus, respeitem os meus cabelos brancos, respeitem meu direito ao silêncio, respeitem a minha epifania que é gostar de arte. Católicos e evangélicos do meu Brasil sejam menos zelotas e mais cristãos, menos ambiciosos e menos avarentos, deixem as emissoras tocar música. Já paguei todos os meus pecados sendo tolerante a esse ruído que vocês chamam de música. Eu sei que vocês se amam como a si mesmos, mas sejam tolerantes e respeitem a minha alma. Toquem para vocês e deixem meus ouvidos em paz.
Aos gestores do dinheiro público
Por fim, convoco os gestores de recursos públicos, prefeitos e secretários de Cultura, a não patrocinarem a MM. O povo merece o melhor. Se o que há na mídia é educação para o consumo do lixo, é obrigação do gestor mudar o rumo. Gestor de cultura que patrocina evento com esse tipo de música concorre para a inutilidade do cargo, é prova de que não entende nada de cultura. É a pessoa errada no lugar errado.
Esse manifesto defende a inteligência, a beleza, a alegria, a poesia, a música que o Brasil e o mundo produzem de melhor. Defende que o “povo” tenha acesso a músicas boas e não somente a essa coisa ruim, a MM. Defende que o “povo” tenha acesso a todo tipo de música e não somente as medíocres como ocorrem hoje, para que ele possa escolher o que ouvir. Convoca os colegas, jornalistas e radialistas, para que usem a inteligência e a sensibilidade para opinar, criticar, exigir dos meios de comunicação mais respeito com a nossa cultura, nossa história musical. A música brasileira é muito maior que a MM que nos vendem.
Veja na íntegra o texto de Dioclécio Luz em Observatório da Imprensa
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