As agruras da vida de jornalista são plenamente compensadas pelas personagens inesquecíveis que se descobre e pela descoberta de lugares únicos. Certa vez, elaborei uma reportagem para o extinto Caderno D do jornal Zero Hora sobre o Castelo de Pedras Altas, idealizado por Joaquim Francisco de Assis Brasil. A obra se localiza no município de Pedras Altas. Sem dúvida foi a experiência mais marcante que vivi como repórter.
Ao longo de uma semana conheci a intimidade do castelo graças à gentileza da filha do idealizador, Lydia de Assis Brasil. Com riqueza de detalhes recordou das tardes de domingo quando o pai praticava tiro ao alvo com o militar e estadista Duque de Caxias ou cavalgava com o historiador Capistrano de Abreu pelas pradarias da propriedade.
A construção do castelo com traços medievais durou de 1909 a 1913. Foi prova de amor de Assis Brasil à segunda esposa, Lídia Pereira Felício de São Mamede. Ele não mediu esforços para concretizar o projeto. Trouxe calceteiros da Galícia (Espanha) especialmente para erigir o castelo onde foi assinada a Paz de Pedras Altas, acordo que pôs fim à Revolução de 1923, repetição do confronto entre chimangos e maragatos.
Visionário, Assis Brasil transformou a propriedade em espaço altamente produtivo que impulsionou a atrasada pecuária gaúcha. Promoveu a importação de matrizes das raças Jersey (da Inglaterra), além de robustos touros Devon, cavalos árabes e ovelhas Karakuk e Ideal. Até as galinhas eram de raça superior, trazidas dos Estados Unidos. Introduziu novas espécies de árvores, construiu estrebarias, galpões e porteiras que funcionam até hoje. Foi inventor de diversos utensílios, como a bomba de chimarrão de mil furos que jamais entope e leva o seu nome.
“O arado e o livro são ferramentas do progresso”, repetia Assis Brasil. Na entrada da propriedade é possível ler, lapidada no piso, a frase: “Bem-vindo à mansão que encerra / Dura lida e doce calma / O arado que educa a terra / O livro que amanha a alma”.
Biblioteca |
A biblioteca, composta de 15 mil exemplares, foi construída a partir de um profundo estudo sobre a orientação solar para evitar a proliferação de mofo. O lugar abriga obras em inglês, francês, português e latim. O castelo mantém até hoje móveis trazidos de Nova Iorque. Foram instaladas 12 lareiras, espalhadas pelo prédio para enfrentar o rigoroso inverno do pampa gaúcho.
A quantidade de objetos históricos impressiona. Um deles é uma prosaica janela que ainda preserva os vidros quebrados durante a invasão dos chimangos. “Toda a casa deve ter suas cicatrizes”, explicou Assis Brasil para justificar a manutenção dos cacos de vidro que perduram na janela.
Apesar do inestimável valor histórico, o Castelo de Pedras Altas permanece fechado para visitações.
Em busca de informações para acessar o local há poucos dias conversei com a filha, Lydia. Por telefone e com voz embargada, resumiu a situação:
- Infelizmente o senhor não poderá trazer a família para a visitação... O castelo passa por um momento de transição - afirmou.
Explicou que o imóvel está à venda. Foi oferecido ao município de Pedras Altas, ao Estado e à União. Os descendentes de Assis Brasil – Lydia parece ter sido voto vencido – desistiram.
Certamente o custo de conservação é muito elevado, impossível de ser coberto com a simples cobrança de ingressos. Resta torcer para que uma alma bondosa, ciente da importância histórica e cultural da construção, mantenha este monumento de inestimável valor para o Brasil.
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