A origem da frase "O Brasil não é um país sério"

Leitores do Blog de Paris mencionaram em comentários a frase “Le Brésil n’est pas un pays serieux” – “O Brasil não é um país sério” – popularmente atribuída a Charles de Gaulle. Como dizem em Portugal, vem muito bem a calhar em momentos recorrentes da história nacional. Ganha particular relevo se formulada pela figura mais respeitada da política francesa no século XX e reserva moral da velha democracia europeia. Sucede que, embora pudesse ter dito sem receber muita contestação embasada, De Gaulle nunca disse que o Brasil não era um país sério. O autor da frase é o diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, embaixador do Brasil na França entre 1956 e 1964, genro do presidente Artur Bernardes.

Rolava o ano de 1962 e o contencioso entre o Brasil e França, conhecido como a Guerra da Lagosta – conflito em que, tal qual a famosa Batalha de Itararé, não se disparou um tiro nem rolou uma gota de sangue. O casus belli girava em torno da captura de lagostas por parte de embarcações de pesca francesas, em águas territoriais brasileiras, mais precisamente no litoral de Pernambuco. Alertado por pescadores brasileiros, a notícia chegou até o terceiro andar do Palácio do Planalto. O presidente João Goulart após reunião do Conselho de Segurança Nacional, mandou despachar para a região um formidável – se considerado o tamanho da ameaça – contingente da Esquadra Nacional, apoiado pela Força Aérea Brasileira. De Gaulle, por sua vez, convocou o embaixador brasileiro para uma conversa no Palácio do Eliseu, sede do governo francês.
Detalhe: O episódio serviu para a imprensa francesa lançar um desses debates que embalam a França. A lagosta anda ou nada? Caso nadasse poder-se-ia considerar que estava em águas internacionais; caso andasse, estaria em território brasileiro, uma vez que se admitia à época que o fundo do mar pertencia ao Brasil. No debate diplomático, a tese francesa, naturalmente, sustentava que a lagosta nadava. Sem contato com o leito oceânico, poderia ser considerada como peixe. Portanto passível de ser pescada legalmente pelos franceses. O almirante Paulo Moreira da Silva, especialista da Marinha contrapôs os franceses com um argumento singelo: Se a lagosta fosse considerada peixe quando dá seus “pulos” se afastando do fundo submarino, então teria, da mesma maneira, que ser acatada a premissa do canguru ser uma ave, quando dá seus “saltos”.
Na noite que seguiu a conversa com De Gaulle, o embaixador Alves de Souza Filho foi convidado para uma festa na casa do presidente da Assembléia Nacional, Jacques Chaban-Delmas. Nota-se que a guerra não era tão séria assim. Na recepção, o embaixador foi interpelado por outro convidado brasileiro, o jornalista Luís Edgar de Andrade, correspondente do Jornal do Brasil em Paris. O correspondente assuntou o embaixador a respeito da conversa com De Gaulle em particular e sobre o quadro geral da crise. Alves de Souza Filho sempre achou o governo brasileiro inábil no trato da questão a nível diplomático. Chegou a mencionar durante o papo o “Samba da Lagosta”, (música abaixo) de Moreira da Silva, e arrematou a conversa informal, off the records, no jargão jornalístico, com a famosa frase: “O Brasil não é um pais sério”. O embaixador Carlos Alves de Souza relatou o caso em seu livro Um embaixador em tempos de crise (Livraria Francisco Alves Editora, 1979):
“Provavelmente o jornalista telegrafou ao Brasil não deixando claro se a frase era minha ou do general De Gaulle, com quem eu me avistara poucas horas antes desse nosso encontro casual. Luís Edgar é um homem correto, e estou certo de que o seu telex ao jornal não teve intuitos sensacionalistas. Mas a frase “pegou”. É evidente que, sendo hóspede do General De Gaulle, homem difícil, porém muito bem educado, ele, pela sua formação e temperamento, não pronunciaria frase tão francamente inamistosa em relação ao país do Chefe da Missão que ele mandara chamar. Eu pronunciei essa frase numa conversa informal com uma pessoa das minhas relações. A história está cheia desses equívocos”.

Texto de Antonio Ribeiro, para blog da Veja


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