Habituados a noticiar desgraças, nós jornalistas logo procuramos responsabilidades entre os causadores de tragédias por ação ou omissão. Geralmente os holofotes estão no terrorismo, no governo, nas empresas. Poucas vezes olhamos para atrás, e nos perguntamos o quê a imprensa poderia ter feito.
Agora, alertam os especialistas, a população brasileira corre um sério risco pela falta de divulgação na grande mídia de uma ameaça chamada Legionella, uma bactéria que, segundo estimativas, já mata anualmente cerca de 5.000 brasileiros.
“A imprensa trata do assunto com pouca ênfase e quando o aborda confunde informações” reclama o especialista em risco Leonardo Cozac. Semanas atrás, por exemplo, a TV Globo fez uma matéria sobre a Legionella que chamou a atenção dos especialistas por ter fornecido informações incompletas. “Nela se falava de que a Legionella vem pelo ar condicionado e de que o risco está somente na água aquecida” explicou ao Observatório da Imprensa, Marcos d’Avila Bensoussan, outro especialista da área que logo depois da emissão do programa fez o alerta do erro pelas redes sociais.
O perigo oculto no lava-jato
“As reportagens devem sempre consultar pesquisadores” recomenda Bensoussan, que acrescentou: “a imprensa tem que tomar cuidado.” Contrariamente ao difundido, a bactéria pode estar em qualquer aerossol ou vapor de agua, e na lista preta entram chuveiros, fontes decorativas, jacuzzis, parques aquáticos, umidificadores de ar, torres de resfriamento utilizados na refrigeração e máquinas de lava-jato.
Os especialistas não se cansam de afirmar que no ano de 2013, quando no Brasil ocorreram 387 mortes por dengue, 4.600 por tuberculose e 41 de malária, pela “desconhecida” Legionella teriam morto em torno de cinco mil pessoas. Os idosos com problemas respiratórios e fumantes formam o maior grupo de risco. Mortes, custos médicos, absenteísmo em escolas e trabalho poderiam diminuir sensivelmente com mais informação. A única prevenção possível é evitar a sua proliferação nos ductos de água. Infelizmente, análises de amostras de água de todo o Brasil, mostram um percentual de 15% de resultados positivos para a bactéria.
Uma busca no Google, permite conferir facilmente o pouco destaque que a mídia brasileira tem dado ao problema que acaba com 13 vidas por dia no país, nos cálculos mas otimistas. A imprensa pode colaborar de diversas maneiras. Uma é simplesmente publicando notícias que atraiam a atenção do público e dos responsáveis. Em tese, a difusão de informações sobre a legionella poderia fazer pressão para que o Ministério da Saúde aborde o assunto de forma proporcional à sua importância. Os hospitais no Brasil não identificam o tipo de microrganismos que causa febre ou pneumonia, e se fosse feita a identificação, seria mais fácil localizar surtos ou regiões com problemas de proliferação da bactéria.
Fatos noticiosos a destacar não faltam. Em Nova Iorque houve um surto recente com cerca de 12 mortes e mais de 300 pessoas contaminadas. Houve casos fatais também em Illinois e Califórnia. De fato, nos EUA os casos se triplicaram entre 2001 e 2012. Faz um ano houve no Portugal um surto com 7 mortes e 273 contaminados.
A grande maioria dos focos da doença está associada a hotéis, resorts, e navios além de hospitais e por causa disso o assunto está despertando o interesse dos turistas estadounidenses que virão aos Jogos Olímpicos. Quando se fala em Legionella no Brasil, logo vem à cabeça de muitos, o caso do ex-Ministro Sérgio Motta, que teria falecido depois de ter contraído essa bactéria. Na época, o governo e a mídia relacionaram essa morte a sistemas de ar condicionado sem manutenção. A qualidade de ar melhorou, mas o risco ainda se esconde no água.
Uma segunda via em que a mídia e chamada a ocupar um papel importante é alertar corretamente sobre a prevenção da enfermidade, explicando de forma clara os cuidados domésticos como a esterilização da água utilizada em umidificadores residenciais e a limpeza de chuveiros. “A Legionella ficou conhecida em 1976. Já se passaram quarenta anos, os casos se multiplicam e ainda há muito por fazer para que mais vidas sejam poupadas por esta bactéria no nosso dia a dia” conclui Bensoussan, editor do livro gratuito de divulgação Legionella na visão de especialistas. “A população brasileira corre um sério risco pela falta de divulgação na grande mídia e por falta de interesse do Ministério da Saúde em abordar seriamente o assunto.” acrescenta Cozac.
Problemas no pais não faltam. Seria bom não ter que agregar ao dengue, vírus Zika e microcefalia, o título “Surto de Legionella no Brasil”. Ainda dá para fazer a nossa parte. Para mais detalhes sobre a Legionella, visite as seguintes páginas na internet:
***
Roxana Tabakman é bióloga e jornalista. Autora do livro “A saúde na mídia. Medicina para jornalistas, jornalismo para médicos” (Ed. Summus).
Fonte: Observatório de Imprensa
Comentários
Postar um comentário