É preciso reinventar a democracia representativa. Caso contrário, ela facilmente se converte em ditadura da informação


Quando Martin Hilbert calcula o volume de informação que há no mundo, causa espanto. Quando explica as mudanças no conceito de privacidade, abala. E quando reflete sobre o impacto disso tudo sobre os regimes democráticos, preocupa.

"Isso vai muito mal", adverte Hilbert, alemão de 39 anos, doutor em Comunicação, Economia e Ciências Sociais, e que investiga a disopnibilidade de informação no mundo contemporâneo.

Segundo o professor da Universidade da Califórnia e assessor de tecnologia da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o fluxo de dados entre cidadãos e governantes pode nos levar a uma "ditadura da informação", algo imaginado pelo escritor George Orwell no livro 1984.

Vivemos em um mundo onde políticos podem usar a tecnología para mudar mentes, operadoras de telefonia celular podem prever nossa localização e algoritmos das redes sociais conseguem decifrar nossa personalidade melhor do que nossos parceiros, afirma.

Seu telefone te mostra quantas chamadas fez. A operadora deve coletar essas informações para processar sua conta. Eles não se preocupam com quem e o que falou. É apenas a frequência e duração de suas chamadas, algo conhecido como metadados. Com isso é possível fazer uma engenharia reversa e reconstruir um censo completo de um país com cerca de 80% de precisão: gênero, famílias, renda, educação.

Se tenho informação mais detalhada - por exemplo, se a operadora registra seus deslocamentos por meio das conexões às antenas. É possível prever com até 95% de precisão onde você estará em dois meses, e em que hora do dia.

Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, fizeram testes de personalidade com pessoas que franquearam acesso a suas páginas pessoais no Facebook, e estimaram, com ajuda de um algoritmo de computador, com quantas curtidas é possível detectar sua personalidade. Com 250 curtidas, o algoritmo tem elementos para conhecer sua personalidade melhor do que você.

Para uma empresa de marketing ou um político em busca de votos, é algo muito interessante. Com o chamado big data (análise de grandes volumes de dados oriundos do uso de internet) também elevamos muito o poder de previsão das Ciências Sociais. Desenvolver um algoritmo de inteligência artificial pode custar milhões de dólares. Mas uma vez criado pode ser aplicado a todos. Então é algo que está sendo empregado rapidamente em outros países.

A preocupação nem é tanto com o comércio ou com a economia. Quem não está preparada para esta transparência brutal entre cidadão e representante é a democracia representativa.

Porque a democracia representativa, como a inventaram nos EUA, é um processo de filtrar informação. Há 250 anos era impossível consultar todas as pessoas e as pessoas tampouco estavam informadas. Então os "pais fundadores" da nação americana inventaram um filtro de informação que chamaram de representação: ter representantes que em seu nome deliberam e definem o que serve à sociedade. Rompemos isso completamente!

Os representantes hoje podem ter acesso a tudo o que os cidadãos fazem. E os cidadãos podem ditar a vida dos representantes, com tuítes e outros recursos. A democracia representativa não está preparada para isso.

É o que vemos agora, com a última eleição nos EUA e como o novo presidente usa as mídias sociais - é parte dessa confusão em que estamos.

É preciso refletir e reinventar a democracia representativa. Caso contrário, ela pode facilmente se converter em ditadura da informação. E atentem que a visão mais antiga da sociedade da informação é de 1948, quando George Orwell publicou seu livro 1984. 


Se alguém dissesse isso há dez anos, certamente seria contestado pela maioria que acreditava que a internet era democracia pura e liberdade. Mas hoje pessoas começam a entender a necessidade de atuação rápida. A democracia não está preparada para a era digital e está sendo destruída.

A maior despesa da campanha de Obama em 2012 não foi para comerciais de TV: criou-se um grupo de 40 engenheiros recrutados em empresas como Google, Facebook, Craigslist, e que incluiu até jogadores profissionais de pôquer. Pagou milhões de dólares para o desenvolvimento de uma base de dados de 16 milhões de eleitores indecisos: 16 milhões de perfis com diferentes dados: tuítes, posts do Facebook, onde vivem, o que assistiam na TV.

Quando a campanha conhecia suas preferências, se um amigo seu no Facebook dava uma curtida na campanha de Obama, a equipe ganhava acesso à página desse amigo e passava e enviar mensagens.

E conseguiram mudar a opinião de 80% das pessoas alcançadas desta maneira. Com isso, Obama ganhou a eleição. È como uma lavagem cerebral: não mostra a informação, apenas o que querem escutar.


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