O que têm em comum uma tira bronzeada de bacon, um bife alto de crosta marrom bem formada, um pote de doce de leite castanho-escuro e a casca dourada de pão recém-assado, além de fazer boa parte das pessoas que pensa neles salivar?
A resposta é a reação de Maillard. Ela dá cor e sabor à comida e ocorre tanto nos processos da indústria alimentícia como na sua cozinha, todos os dias. O cheiro característico que exala de uma frigideira fumegante onde você frita um bife vem, em parte, de Maillard. O gosto complexo de um chocolate também deve-se à reação química descrita em 1912 por um cientista francês. E embora o fenômeno também conhecido como “escurecimento não enzimático dos alimentos” já tenha sido identificado há mais de um século, a ciência ainda investiga em detalhe como ele funciona — em centenas de livros e artigos.
Há até uma sociedade dedicada ao estudo da reação. Como escreve o cientista americano Eric Schulze no site Serious Eats, apesar de cotidiana, a reação de Maillard é bem complexa. Hoje, ao menos, já sabemos o básico: “trata-se de várias pequenas e simultâneas reações químicas que ocorrem quando proteínas e açúcares na nossa comida são transformados pelo calor, produzindo novos sabores, aromas e cores”.
Maillard na cozinha
O médico e químico francês Louis Camille Maillard nasceu em 1878 e morreu em 1936. Brilhante aluno na Universidade de Nancy e prolífico pesquisador, ele estudava o metabolismo dos rins. E se debruçou sobre o porquê de alimentos crus mudarem de cor e produzirem dióxido de carbono — esperando descobrir coisas que ajudassem a entender o funcionamento da diabetes. Publicou então uma tese, aos 34 anos, em 1912, em que descreve a interação entre aminoácidos e açúcares nos alimentos. “Ele não percebeu o quão importante eram (as reações que descobriu) para a comida”, disse Vincent Monnier, da Universidade de Case Western Reserve ao site da NPR.
Até a descoberta de Maillard, não se sabia ao certo qual o mecanismo, no nível molecular, que fazia a comida ter determinados gostos e cheiros. Ao longo do século 20, então, a indústria começa a se interessar pelo assunto, para criar alimentos processados que fossem mais atraentes, ou seja, que passassem por uma cocção que gerasse a cor e sabor das reações de Maillard. E mais investimentos em pesquisa começaram a ser feitos. Em 1953, o pesquisador americano John Hodge descreveu em mais detalhes as reações, que acontecem em três estágios:
- primeiro, com a interação entre uma molécula de carboidrato e um aminoácido (parte de uma proteína);
- depois, com a formação de uma estrutura instável (a glicosilamina);
- por fim, a glicosilamina sofre novas reações que liberam centenas de subprodutos químicos, como a melanoidina, que se recombinam milhares de vezes produzindo compostos responsáveis por aroma e sabor.
Essas complexas reações são diretamente relacionadas ao calor e ao tempo. E é aí que entra a expertise dos chefs de cozinha: controlar essas variáveis é determinante para conseguir o sabor desejado. As reações de Maillard acontecem muito mais rapidamente em temperaturas entre 120°C e 160°C e na ausência de umidade.
É o que explica que um bife frito numa frigideira quente ganhe a crosta dourada e o gosto característico mais apetitoso que uma carne cozida no vapor.
Alimentos cozidos no vapor ou em água nunca ultrapassam os 100ºC, temperatura de ebulição da água, ou seja: não alcançam as condições ótimas para as reações de Maillard, e, por isso são geralmente mais claros e de sabor suave se comparados a alimentos grelhados, assados ou fritos. Assim, as reações de Maillard são particularmente úteis quando queremos um pão crocante, uma batata frita dourada ou um grão tostado de café.
Mas as cores e aromas gerados pelas reações de Maillard também acontecem em alimentos cozidos em ambiente aquoso ou essencialmente mais líquidos. A diferença aí é que, normalmente, eles exigem um tempo bem maior de cocção. Veja abaixo alguns alimentos que sofrem as reações de Maillard mesmo quando cozidos com água: Cerveja: o líquido cuja fermentação produz a cerveja, um extrato aquoso de malte de cevada que contém açúcares e aminoácidos reativos produzidos pelos grãos germinados, tem cor e sabor aprofundados após várias horas de fervura. Caldos de carne: os caldos que estão na base de molhos e sopas têm que ficar por ao menos oito horas em fogo brando até ganharem tom amarronzado e aroma típico. Vinagre balsâmico: o vinagre característico da Itália, ótimo como tempero de saladas, só fica praticamente preto depois de alguns anos de envelhecimento. Clara de ovo: usada em alguns doces, ela fica amorenada apenas depois de 12 horas cozida em fogo baixo.
Leia na íntegra em Nexo
Comentários
Postar um comentário